Marcela Vieira
from: Marcela Vieira to: zingano date: Sun, Nov 22, 2009 at 10:07 PM subject: dos EUS O meu EU da Érica teve um percurso demasiado particular. Não defendo – vejam bem – que sua existência foi mais particular do que as outras, também estas distribuídas pelo correio e nos outros cantos do mundo. Mas o meu EU da Érica é de natureza lírica, e tal informação justifica a necessidade de uma biografia textual, além do seu registro poético e fotográfico. Eis aqui a sua história, reproduzida breve e com uma fidelidade senão metafórica, literal. Estando eu em Paris, tive, no início do outono de 2009, meu EU muito perto, bem ao lado, em Lisboa, Portugal. Diz a lenda que por muito pouco não o tive em mãos, quando de uma visita afetiva e pessoal. Mas, porém, por motivos geográficos, práticos ou até mesmo misteriosos, nunca recebi o meu EU da Europa. Confesso que cultivei uma pequena ansiedade nessa espera do meu EU, principalmente quando soube que quase todos os EUs já haviam sido perfeitamente entregues e muitos até já seguiam seus planejados cursos indefinidos das águas. A espera pelo meu EU criou curiosamente um certo tipo de ausência, que só não foi maior porque me distraí com calma e imaginação, prevendo formas outras de bom uso do meu EU. Foi então que recortei um EU de papel crepon e rosa choque, e o deitei ao meu lado esquerdo da cama. Através de variadas gradações de luz, simulei com ênfase uma noite bem dormida, e fotografei uma por uma as etapas obscuras desses movimentos inconscientes. Este EU, no dia seguinte fictício programado pela luz, tornaria-se frisado e amaranhado no lençol avesso. (fotos por Gabriela Carcova) Outros prováveis EUs nem chegaram a se concretizar. O primeiro seria entregue a um desconhecido de partida em barco, para que de alguma ponte eu acenasse sua partida. O outro (o que mais seduziu minha simpatia) mergulharia com meus braços e pulmões em algum rio de águas turvas. Não tive tempo para o primeiro, e o tempo (do inverno) me desencorajou para o segundo. Foi então que meus verdadeiros EUs (e eram dois! 2E+2U) chegaram voando do Brasil, mas não sem antes um obstáculo prévio: ausente da casa seu destinatário (eu), os EUs passaram dois dias úteis em depósitos parisinos, aguardando prateados seu resgate. EUs na bolsa e feliz da vida, andei uma semana confiante pelas ruas, arquitentando “destinos provisórios para um inverno tropical”. (Lembro, de passagem, que raras vezes nessa vida estive tão integralmente cheia de mim mesma.) No dia certo e na hora H, e sentada confortável na beira do rio Sena, eu tinha o plano de amarrar minhas letras, boiando-as perto, sem que partissem do lugar: assim, pescando-as, elas não desapareciam no horizonte, e seriam ainda aproveitadas em outros mares. Mas eis que o fantástico e o imprevisto aparecem, trazendo grandes dois enormes cisnes de verdade. Curiosos e questionadores, eles se aproximaram num relance e acompanharam de perto o que EU acontecia. Apressada em aproveitar os cisnes, arremessei com força duas das primeiras letras que tirei da bolsa, que voaram leves, mas contra o vento. Por engano e descuido meu, o resultado que caiu não água não era EU, nem E + U, mas E + E que se dobraram tortos, surpreendendo a todos com uma simbologia zingana. Os cisnes brancos acompanharam calados tal transformação, e eu suspensa ali na margem não entendia nada do que foi de mim. |
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